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A trajetória de um edifício colonial em Paranaguá: de Colégio Jesuíta a Museu Universitário

Por Dr.ª Bruna Marina Portela – Historiadora do Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR.

O edifício que hoje abriga o Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR foi um dos primeiros bens a serem tombados pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em maio de 1938. É também tombado pelo Patrimônio Histórico Estadual desde 1972. O prédio, um antigo Colégio Jesuíta, é o único exemplar de três andares da arquitetura colonial no sul do país e representa o poder e a influência que a Companhia de Jesus teve, especialmente nos séculos XVII e XVIII, na América portuguesa.

 

Claustro do antigo Colégio Jesuíta de Paranaguá, que hoje abriga o Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR. Foto: Douglas Fróis, 2013.

O fundador e idealizador da Companhia de Jesus foi o espanhol Inácio de Loyola em 1534, e tinha como objetivo levar o Evangelho para todas as partes do mundo conhecido. Já no ano de 1549 desembarcaram os primeiros jesuítas em Salvador, onde fundaram um Colégio. Logo expandiram para outras partes da América portuguesa, como Piratininga (futura vila de São Paulo), ainda em 1554. Para a região que hoje está localizado o estado do Paraná, os padres chegaram entre 1606 e 1640, instalando-se em Superagui, no Varadouro Velho. (SEEC, 2006, p. 318)

No ano de 1682, os moradores de Paranaguá, com a vila estabelecida[1], solicitaram ao Superior Geral da Companhia de Jesus a vinda de padres jesuítas, por meio de ofício enviado pela Câmara Municipal. A solicitação se repetiu em 1685 e em 1690 quando, então, prometeram construir um colégio, doar terras e escravos, “uma vez que eles [os padres jesuítas] dessem aulas de ensino primário e de latinidade e ensinassem à mocidade os dogmas da Religião”. (SANTOS, 2001, Tomo I, p. 60).

Em 1699 o Provincial da Companhia de Jesus autorizou a ida de alguns padres até Paranaguá, onde receberam seis escrituras de doação da Câmara Municipal. Em outubro de 1703 é que a Câmara obteve resposta definitiva do Provincial, que informou a fixação de residência dos padres da Companhia em Paranaguá, notícia recebida com entusiasmo, conforme resposta dada pela Câmara Municipal:

[…] nos causou muito gosto e alegria, quanto não soubemos explicar com palavras com a satisfação da residência da Companhia que há muitos anos pretendemos houvesse nessa vila […]”. (SANTOS, 2001, Tomo I, p. 64).

No entanto, a construção do Colégio encontraria ainda muitos entraves. No ano de 1709, o ouvidor da Capitania de São Paulo oficiou à Câmara de Paranaguá para informar que não deveria ser autorizado o início da obra enquanto não fosse obtida a licença real. Além disso, houve problemas com as doações feitas pela Câmara, as quais o ouvidor Pardinho, em 1720, considerou ilegítimas. Em 1726 o ouvidor Antônio Álvares Lanhas Peixoto reformou os provimentos de Pardinho e reconheceu como legítimas as doações feitas pela Câmara aos padres jesuítas. Ainda assim, faltava a licença real. A Câmara remeteu várias petições ao rei reiterando o pedido para fundação do Colégio. Em novembro de 1735 uma carta régia do Conselho Ultramarino pedia informações sobre os meios para se construir o prédio e a maneira como iriam ser sustentados os padres. Em resposta foi informado que os jesuítas já possuíam bens suficientes, em dinheiro e materiais, para que fosse iniciada a obra e

[…] quanto à sustentação dos padres, que deveriam ser oito, possuíam algumas fazendas de gados e plantações de mandioca e legumes, onde tinham escravos, alguns deles pescadores, os quais poderiam aproveitar o pescado abundante nos mares e rios daquela povoação. (HISTÓRIA DO PARANÁ, v. 1, p. 69).

Foi somente no ano de 1738 que a licença real foi concedida para que o Colégio fosse finalmente fundado. No ano de 1740 as obras começaram, com a doação dos moradores, que cederam canoas de pedras e o serviço de seus escravos. O dia 10 de dezembro de 1752 foi escolhido como a data canônica da fundação do Colégio. Dois anos depois, em 1754, os padres passaram a residir no edifício, que ainda não estava terminado. No dia de São José, em 19 de março de 1755, foi realizada a inauguração oficial, com missa solene e Te Deum.[2] O Colégio foi colocado sob a proteção de Nossa Senhora do Terço.

As obras se estenderam até 1759, ano em que os jesuítas foram expulsos de todo o território pertencente à Coroa portuguesa. A Lei de 03 de setembro de 1759, assinada pelo rei Dom José I, determinava a expulsão e o confisco de todos os bens da Companhia. A resolução fazia parte de um plano mais amplo da Coroa portuguesa, orquestrado por Sebastião José de Carvalho e Melo – o marques de Pombal – para afirmar o poder real sobre o eclesiástico. (HESPANHA, XAVIER, 1993, pp. 116-117.) Em janeiro de 1760 foi dado início ao sequestro nos bens da Companhia de Jesus em Paranaguá, que agora pertenciam a Real Fazenda. Os padres, então, ocuparam o Colégio por pouquíssimo tempo. Após a expulsão, o prédio ficou abandonado até as primeiras décadas do século XIX, exceto pela ocupação do tenente-coronel Affonso Botelho de Sampaio de Souza, enquanto coordenava a construção da Fortaleza da Barra de Paranaguá, na Ilha do Mel, entre os anos de 1767 e 1769. Vieira dos Santos informa em sua Memória Histórica de Paranaguá que a Junta da Fazenda, após o sequestro nos bens dos jesuítas, manteve até 1821 unicamente um capelão no edifício, responsável por dizer missa na capela e zelar pela conservação do espaço. Auguste de Saint-Hilaire, quando fez viagem pela Comarca de Curitiba em 1820, visitou a vila de Paranaguá e registrou suas impressões sobre o antigo colégio jesuíta:

Os jesuítas tinham em Paranaguá um convento que ainda existe, mas não se deve esperar que esses padres tenham dedicado a essa propriedade os mesmos cuidados que sempre deram aos estabelecimentos que construíram. Trata-se de um prédio grande, feio e irregular. À época de minha viagem ele servia de alojamento para o vigário e estava muito mal conservado. (SAINT-HILAIRE, 1995, p. 150).

Vista do Colégio Jesuíta em frente ao rio Itiberê, quando ainda não era aterrado. Autor e data da foto desconhecidos. [Aproximadamente início do século XX].
Em 1832 o coletor das rendas nacionais em Paranaguá, o comendador Manoel Francisco Correia Junior, enviou ofício ao presidente da província de São Paulo[3] relatando o estado de ruína em que se encontrava o prédio e solicitando reparos, no que foi atendido. O edifício, então, passou a abrigar o aquartelamento de guardas nacionais, além de servir de alfândega e de depósito de artigos bélicos. Segundo informações de Antônio Vieira dos Santos, até o ano de 1841 o coletor das rendas nacionais fez esforços para consertar e reparar o edifício, trocando ofícios com o presidente da província para solicitar verbas.

Ao longo da segunda metade do século XIX o prédio continuou servindo para alojamento de tropas e para depósito de artigos bélicos, como no ano de 1867, durante a Guerra do Paraguai, e também durante a campanha federalista, em 1894. (CARNEIRO, 1940, p. 378). Também foi entre finais do século XIX e início do século XX que a capela que existia ao lado da entrada do edifício desabou, restando apenas suas ruínas.

Nesta imagem é possível ver as ruínas da antiga capela do Colégio jesuíta, que desabou entre final do século XIX e início do século XX. Autor e data da imagem desconhecidos.

Durante as primeiras décadas do século XX teve início a discussão sobre a importância da preservação do patrimônio histórico e cultural. No Brasil, essa preocupação apareceu na Constituição de 1934 que ressaltou o dever do Estado de proteger os bens naturais e culturais. Logo em seguida foi promulgado o Decreto-Lei nº 25 de 30 de novembro de 1937, que instituiu os processos de tombamento no país e organizou a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional (PELEGRINI, 2006, p. 63-64). O edifício do antigo Colégio Jesuíta de Paranaguá entrou para a lista de bens tombados logo no ano seguinte à publicação do Decreto-Lei, ou seja, no ano de 1938. Porém, mesmo com o tombamento, o abandono do prédio ainda era um problema. David Carneiro escreveu um artigo no ano de 1940 na Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional sobre o antigo colégio, ao qual afirma estar “hoje transformada em vetusta ruína” (CARNEIRO, 1940, p. 361).

Vista do claustro do antigo Colégio Jesuíta. Foto extraída do artigo escrito por David Carneiro no ano de 1940. In: CARNEIRO, David. Colégio dos Jesuítas em Paranaguá. In: Revista do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), nº4, 1940, pp. 361-382. p. 367.

Nos anos seguintes José Loureiro Fernandes, professor catedrático de Antropologia da então Universidade do Paraná, começou a negociação com o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional para transformar o antigo Colégio Jesuíta em um museu universitário. No ano de 1958 a guarda do edifício foi passada à Universidade Federal do Paraná e também foi iniciado um processo de restauro do monumento, finalizado em 1963, quando então foi inaugurado o Museu de Arqueologia e Artes Populares (MAAP), no dia 29 de julho, primeiro museu universitário do Estado do Paraná. Desde então, o museu passou a se chamar Museu de Arqueologia e Etnologia de Paranaguá (MAEP) e, finalmente, Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR (MAE).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BALHANA, Altiva P.; WESTPHALEN, Cecília; MACHADO, Brasil P. História do Paraná. v. 1. Curitiba: Grafipar, 1969. p. 66-71.

CARNEIRO, David. Colégio dos Jesuítas em Paranaguá. In: Revista do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), nº4, 1940, pp. 361-382.

DICIONÁRIO HISTÓRICO-BIOGRÁFICO DO PARANÁ. Curitiba: Chain: Banco do Estado do Paraná, 1991.

HESPANHA, Antonio Manuel; XAVIER, Ângela Barreto. A representação da sociedade e do poder. In: MATTOSO, José (Org.). História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807), v. 4. Lisboa: Editorial Estampa, 1993.

LEÃO, Ermelino Agostinho de. Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná, vol. II. Curitiba: Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, 1994.

PELEGRINI, Sandra C. A. O patrimônio cultural no discurso e na lei: trajetórias do debate sobre a preservação no Brasil. Patrimônio e Memória. UNESP – FCLAs – CEDAP, v. 2, n. 2, 2006, p. 54-77.

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pela Comarca de Curitiba. Curitiba: Fundação Cultural, 1995.

SANTOS, Antonio Vieira dos. Memória Histórica de Paranaguá: Tomo I. Curitiba: Vicentina, 2001.

SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA DO PARANÁ (SEEC). Espirais do Tempo. Bens Tombados do Paraná. Curitiba, 2006.

NOTAS:

[1] Gabriel de Lara, capitão-mor e um dos primeiros povoadores da região, solicitou ao ouvidor geral do Estado do Brasil a instalação da Câmara Municipal em Paranaguá. Em 29 de julho de 1648 foi criada a Vila de Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá. Ver LEÃO, 1994, v. II, p. 731.

[2] Cerimônia que acompanha um cântico de ação de graças da Igreja Cristã que principia pelas palavras em latim “Te Deum Laudamus” (A vós, ó Deus, louvamos). Conforme DICIONÁRIO Priberam da Língua Portuguesa.

[3] Até o ano de 1853 o território que hoje pertence ao estado do Paraná era Comarca da Província de São Paulo. Foi no dia 19 de dezembro de 1853 que a Província do Paraná foi instituída.